quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Poolish, sourdough, biga, levain, madre, chef, pâte fermentée, starter, massa azeda...

Fermento natural ou pré-fermento tem uma infinidade de nomes e fórmulas. Aprendi a fazer pães e agora estou estudando como fazer meu fermento. É muito legal porque não deixa de ser um “bicho” que você precisa alimentar para o seu pão dar certo.
Eu tenho tios agricultores que criavam porcos e no fim de ano sempre ficavam com dúvida se matavam ou não os bichos. Dava pena de sangrar eles, diziam eles. Claro que é uma comparação fraca, os microrganismos do fermento estão em todo lugar, a cultura que eu faço só organiza e multiplica eles. E também é uma forma de vida sem nenhuma expressão emocional. Mas faz pensar que a boa comida geralmente passa pela morte de algo. Comida é sagrada mesmo.
Canella-Rawls chama o fermento natural de uma cultura fermentada baseada em bactérias e fermentadores que são encontrados na atmosfera. Os termos do título acima são genericamente conhecidos como pré-fermentos.
Pâte fermentée significa massa fermentada, ou massa antiga. Se o padeiro misturasse a massa de pão francês e deixasse uma sobra para ser utilizada na próxima massa, seria o chamado pâte fermentée. Em questão de horas, essa sobra de massa fermenta e amadurece, e pode trazer qualidades desejáveis para a próxima massa. Sendo o pâte fermentée sobra ou reserva de uma massa já pronta, notamos que contém, obviamente, todos os ingredientes da massa final, ou seja, farinha, água, fermento comercial, sal, açúcar e gordura, por exemplo.
Biga é um termo italiano que genericamente significa pré-fermento. Pode ser de textura consistente ou líquida (100% de hidratação). É feita de farinha, água e uma pequena quantidade de fermento comercial. Uma vez misturada, é deixada amadurecendo entre doze e quinze horas. Observe que a biga não leva sal. Diferente do pâte fermentée, a biga é feita separadamente, em processo independente de produção.
O poolish é um pré-fermento de origem polonesa cujo uso se disseminou da década de 1840. Era largamente utilizado na Áustria, como fermentador dos pães de Viena. Foi levado para a França e, até meados de 1920, era o fermento utilizado pela grande maioria das padarias francesas. Em Paris, ainda se encontram antigos anúncios de “pão francês e pão vienense”.
O pão vienense elaborado com poolish apresentava sabor menos ácido do que o pão produzido com o levain ou pâte fermentée, e era praticamente livre do odor de ácido acético e vinagre. Por isso a fermentação dessa esponja podia estender-se de três a sete horas antes da mistura, o que resultava na formação de ácidos orgânicos complexos que enriqueciam o conteúdo aromático tanto da massa quando do pão finalizado. Foi esse enriquecimento, a fermentação alcoólica não acética, que fez os pães produzidos por tal método tão consumidos por toda a Europa.
Por definição, o poolish é feito com partes iguais de farinha e água (o que implica em 100% de hidratação), e uma pequena porção de fermento comercial, em torno de 1%. Outro fator primordial é o da temperatura ambiente. Um pré-fermento que está amadurecendo em ambiente com temperatura na faixa de 25º C, por exemplo, poderia requerer mais fermento comercial do que aquele a ser amadurecido em ambiente mais quente, em torno de 32º C.
Já sourdough e levain para o mercado norte-americano têm o mesmo significado, e são usados alternadamente. Na Europa não. Na Alemanha, sourdough (sauerteig) é a cultura de farinha de centeio e água. Na França, levain é a cultura feita exclusivamente ou quase exclusivamente de farinha de trigo comum e água. Tanto o estilo germânico como o francês se iniciam com a elaboração de uma pasta líquida ou mais consistente (dependendo do grau de hidratação), utilizando farinha e água, a qual é alimentada com mais massa em um bom período de tempo, desenvolvendo assim colônias de microrganismos que fermentam e se multiplicam. Para manter a pureza e condições de uso do levain ou sourdough, uma pequena porção da massa inicial amadurecida é retirada antes da mistura final da massa. Essa porção é gurdada, não contaminada por fermento, sal ou outras adições, e usada para iniciar a próxima massa.
A base em ambos os casos é cultura de fermento e bactérias que ocorre naturalmente e tem a capacidade de não apenas levedar ou expandir a massa, mas também de fornecer sabor, textura e aroma característicos a ela.
O sourdough, o levain e a massa azeda são diferentes do pâte fermentée, da biga e do poolish porque podem perpetuar-se por meses, anos... Mas o pré-fermento feito com fermento comercial deve ser assado depois de algumas horas ou no dia seguinte.
Durante os estágios iniciais da cultura de sourdough, levain ou massa azeda é comum a adição de frutas como maçã, banana e uva ou cebola ralada, por exemplo. Esses ingredientes podem reforçar, mas não são requeridos para o sucesso da massa azeda. Ao examinarmos o pré-fermento, se este se mostrar denso e não movimentado, provavelmente ainda não amadureceu o suficiente.
Ele deve parecer plenamente crescido, com leve declínio no centro, e com aroma agradável, levemente azedo.
Minha primeira experiência foi com o uso de uva passa para ajudar na fermentação, e sempre usando água mineral. Quanto maior a qualidade da água, melhor a fermentação natural.
Hidrate 200g de uva passa em água filtrada ou mineral. Deixe em um lugar quente e abafado até que pequenas bolhas apareçam na superfície – entre 8 e 12 horas.
Coe o líquido sobre um pano limpo e aperte bem para aproveitar todo o suco. Reserve a água e as passas você pode comer ou jogar fora.
Misture no líquido 250g de farinha de trigo. O ideal é fazer isso em um pote de plástico com tampa. Deixe em um lugar quente.
Espere fermentar até triplicar de volume – pode demorar de 1 dia (num verão úmido) até 3 dias (inverno seco).
Pronto, sua colônia de bichinhos está pronta para ser usada.  Depois falarei dos usos, benefícios e manutenção do fermento.
Meu levain ficou com essa aparência. Bem viscoso, com furinhos e um aroma ácido

Fontes:
CANELLA-RAWLS, Sandra. Pão: arte e ciência. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.
KÖVESI, Betty et al. 400 g: Técnicas de cozinha. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Poudre Forte

Ainda sobre a Idade Média encontrei referências sobre uma mistura de especiarias muito utilizada para temperar carnes e tudo mais, o Poudre Forte, ou literalmente pó forte. Tudo era moído em pó e misturado, como hoje temos o Italian seasoning, garam masala ou taco seasoning.

E também como esses mix de temperos não há uma receita oficial. A combinação variava de cidade para cidade, família para família. Uma das misturas que mais gostei foi essa:

1 colher de chá de pimenta preta moída
1 colher de chá de canela moída
1 colher de chá de macis moído
1 colher de chá de gengibre moído
1 colher de chá de cravo moído
1 colher de chá de grãos do paraíso moído

Desses ingredientes não conhecia o macis e os grãos do paraíso. O macis é a casca da semente da noz-moscada. O sabor é bem semelhante, mas tem um aroma mais doce e picante.

Os grãos do paraíso também são encontrados como pimenta-da-costa ou ataré em casas de umbanda. Tem aparência da pimenta do reino preta, mas menos escura. A ardência é menor, mas entorpece a boca e realça os sabores com aroma herbal.

O pó forte, extremamente aromático

Há um livro feito por cozinheiros fãs da Idade Média e da série Game of Thrones - "A Feast of Ice & Fire" (Chelsea Monroe-Cassel e Sariann Lehrer) - que criaram uma receita de javali assado com o Poudre Forte. Utilizei costelinha de porco e adaptei algumas técnicas. 

Vai (pode aumentar ou diminuir) 
4 conjuntos de costelas de porco
1/8 xícara de vinho tinto seco, como o Rioja ou Syrah
1 xícara de cidra de maçã ou suco de uva branca
2 colheres de chá de Poudre Forte
1/8 xícara de vinagre de vinho tinto
cravos

Cortar as uvas ao meio e retire as sementes. Bata no liquidificador com água. Coar o suco. 

Deixe marinando as costelas no vinho, vinagre, sal, suco de uva e Poudre Forte por duas noites. 

Aqueça um forno a 180 graus. Despeje o líquido da marinada em uma frigideira. Reserve.

Faça pequenos furos nas costelas e insira de 1 cravo nelas.

Esfregue mais uma colher de chá de Poudre Forte nas costelas.

Cortar as costelas no tamanho a ser servido. 

Em uma assadeira coloque as costelas com um pouco da marinada. Cubra com papel alumínio com o lado brilhante para dentro. 

Assar a carne por 1h10. Abra o forno, retire o papel e asse por mais 30 minutos em 200 graus. Dependendo do tamanho de das costelas, pode levar até mais 10 minutos ou mais.

Remover o porco do forno e despeje todos os sucos da assadeira para a marinada reservada. Coe tudo isso em um chinois ou peneira. 

Cubra o porco para mantê-lo aquecido.

Cozinhe os ingredientes do molho até que tenha reduzido ligeiramente, cerca de 10 minutos.

Despeje o molho sobre o porco e sirva.

Ainda sem o molho

terça-feira, 8 de setembro de 2015

A Idade Média e o comer

Esse período durou aproximadamente entre os séculos V e XV na Europa. Com a queda do Império Romano e o triunfo dos ocupantes bárbaros houve uma espécie de mistura de culturas também na gastronomia. No começo da Idade Média, período chamado de Alta Idade Média (séculos V-X), a civilização romana era conhecida como a do pão e derivados e a dos bárbaros a da carne. Mas com o feudalismo isso aos poucos foi se misturando.

É importante dizer também que a Idade Média não foi só um período de miséria e obscurantismo como a indústria do entretenimento às vezes pinta. Na gastronomia existiu uma variedade enorme de alimentos e pratos que foram descobertos, criados ou assimilados de outras culturas ao longo dos séculos.

Existiam os produtos da agricultura (cereais, leguminosas, legumes) e das terras não-cultivadas (caça, peixe, pequenos animais e ruminantes criados nas clareiras e bosques). Em relação a carne, as criações mais importantes eram a de porcos e de carneiros/cabras, espécies muito bem adaptadas às paisagens meridionais. Os carneiros/cabras também eram origem do consumo de leite e de lã. Os porcos eram criados soltos, semi-selvagens, tinham a carne escura por isso e por sua alimentação. Também se criavam bois, mas eles eram mais usados como animais para trabalhos nos campos, como puxar arados.

Os queijos eram feitos em sua maioria de leite de ovelha ou cabra. A produção de queijos era usada como forma de conservação do leite. O hábito de beber o leite era considerado perigoso. Da mesma forma o consumo de vinho e cerveja, além do sabor agradável, nessa época acontecia mais por motivos higiênicos. Haviam diversos surtos de água contaminada no continente. O trigo era o cereal mais consumido pelos romanos e com mistura bárbara ganhou a concorrência da aveia e do centeio.

As hortas eram comuns no feudalismo e nelas havia nabos, couve-rábano, couve crespa, repolho, couve-flor, cebola, alho-poró, alho, alface, chicória, endívia, acelga, cenoura, bisnaga hortense, funcho e rabanete. Nas cozinhas, os cereais eram cozidos para preparar sopas, sobretudo de cevada e espelta, ou papas de milhete ou de sorgo. Os pães ainda eram rústicos, pobres de glúten e de baixa fermentação. Os pães da Alta Idade Média tinham mais a aparência de bolos ou fogaças. Os camponeses consumiam as carnes, geralmente salgadas, em água fervente. Assim ela ficava menos dura e o caldo era aproveitado em outros alimentos. A nobreza consumia a carne principalmente assada.



Já na Baixa Idade Média (séculos XI-XV) as cidades já são maiores e existe uma oposição mais clara cidade/campo como o pão branco de trigo e os pães pretos. Da mesma forma as carnes frescas do mercado (sinal de identidade citadina) opõem-se às carnes salgadas dos camponeses. A cultura gastronômica urbana também já ganha sabores picantes, ácidos e açucarados e as boas maneiras à mesa também são criadas. Nas cidades medievais também nascem as primeiras profissões da gastronomia, como os cozinheiros, taberneiros, forneiros e moleiros. Com o passar do tempo surgiram as especializações e profissões na padaria, charcutaria, fabricação de pastas, açougues e peixarias.

A influência do Oriente e Norte da África na Europa também crescia com o desenvolvimento das navegações e novos produtos entraram nos cardápios, como cravo-da-Índia, noz-moscada, macis, galanga e malagueta. As cozinhas medievais giram em torno de três sabores fundamentais: o forte – devido às especiarias –, o doce – graças principalmente ao açúcar – e por fim o ácido.

O sabor amargo não parece ser muito apreciado, com o provam as raras alusões que lhe são feitas. Assim, a compilação anglo-normanda recomenda compensar o amargor das nozes com uma pitada de açúcar. O sabor ácido é obtido sobretudo graças ao vinagre e ao agraço. Os sucos de frutas cítricas são mais consumidos nas regiões mediterrâneas.

Os historiadores consideram que a Idade Média termina com o início da Idade Moderna, considerada como marco inicial 29 de maio de 1453 quando ocorreu a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Foi um grande período que influencia até hoje as cozinhas do mundo.

Fontes:
História do Sabor (Paul Freedman) e História da Alimentação (Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari)

domingo, 10 de maio de 2015

Somos lo que hacemos repetidamente - parte 3

Pode um prato de comida ser uma obra de arte? Para Andoni Aduriz sim. Ele defendeu na aula magna  que o ato de comer gera emoções, como qualquer apresentação artística.

Mas Aduriz se propõe a fazer criações inovadoras e ele mesmo admitiu que essas são mais difíceis de serem aceitas pelo comodismo natural das pessoas. Para ele o gosto não é o que vem primeiro na aceitação de um prato e sim a construção cultural.

Nas Filipinas uma comida muito popular é o balut, um ovo de pato com o embrião. Naquele país é aceito, aqui no Brasil de jeito nenhum. Quem tem razão?

Criar também é estar na vanguarda, algo que implica muitos riscos. Ele lembrou que o próprio significado primeiro da palavra é militar: é a linha de frente numa batalha. E todos esses costumam morrer.

Isso diz muito, até mesmo na definição de vanguarda política ou cultural, porque toda vanguarda também destrói a anterior. Uma substitui a outra para que o ciclo da criação continue. Então além de enfrentar resistências quem quer ser inovador também corre sempre o risco de ficar obsoleto.

Para suportar essas barras Aduriz deu seus caminhos: cuidar de sua equipe de trabalho, ter mais tempo para pesquisas, criar formas de motivação e encontrar os recursos necessários. Desses itens ele falou mais detalhadamente das equipes e da motivação.

Sobre uma equipe de trabalho o chef basco ressaltou primeiro que as pessoas agem por mimetismo, aprendem com os outros. Ou seja, se você estiver do lado de pessoas criativas vai acabar agindo criativamente. E também se estiver do lado de pessoas que só reclamam da vida é claro que também vai ter esse comportamento.

Em outra, das muitas frases de autoajuda que Aduriz falou, ele disse que a vida é apenas a maneira como a encaramos. Por isso esse defendeu que esses tipos de comportamentos devem fazer parte dos critérios de seleção para uma equipe de trabalho.

E a motivação? Vem de dentro da pessoa ou de fora? Para Aduriz só pessoas extremamente especiais, como Mandela ou Gandhi, conseguiram ter motivação interna para lidar com os desafios da existência. O resto de nós normais precisamos de ajuda externa.

A explicação dada foi que os seres humanos são sociais, não vivem sozinhos. Aduriz também confessou ser adepto da neurolinguística, ciência que estuda a elaboração cerebral da linguagem. “Las palabras son balas”, disse. Se alguém só escuta, “você pode”, “você pode”, você pode”, vai acabar conseguindo. Desse modo, o gestor tem um papel muito importante na motivação de seus comandados.

E no caminho da vanguarda ressaltou a necessidade de muito trabalho. “Pruebas, pruebas y error”, disse Aduriz sobre a rotina do Mugaritz até obter resultados de sucesso. Trabajar mucho.

Para facilitar o cozinheiro sugeriu ferramentas que podem ajudar a criatividade:
- Formas de ajudar a entender as criações para descobrir o que os outros não vêm

- Criar surpresas nas inovações, vindas da intuição e que escapem da lógica

- Usar metáforas nas criações. Na palestra ele mostrou um exemplo de uma folha de camélia caramelizada, criada como uma metáfora do tempo


- Usar a interdisciplinaridade. O Mugaritz trabalha como músicos, filósofos e vários outros profissionais

- Ter observação criativa. Trabalhar entendendo o contexto das coisas é fundamental para qualquer ramo de atuação, mas Aduriz também defendeu que é necessário ter a descontextualizacão. Ele citou o exemplo de um merengue que passou do ponto em um dia no restaurante. Isso não foi jogado fora, mas foi aproveitado como experiência sensorial: viraram maracas comestíveis


Sobre os vários restaurantes que copiam o Mugaritz, o chef disse não se importar e até que se sente enaltecido com isso (apesar de revelar que pelo menos gostaria que citassem a fonte). “El artista copia, el genio roba”. Lembrou essa frase famosa de Picasso, mas depois revelou que o pintor havia roubado essa sentença do escritor Oscar Wilde. E este também não havia sido o autor original da frase, que é um dito popular. Coisas da criatividade. 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Somos lo que hacemos repetidamente - parte 2

Antes de falar do restante da palestra de Aduriz em São Paulo acho importante delinear um pouco da sua atuação. Começando do final, seu projeto mais recente é o The Candy Project, que foi citado na sua aula magna.

O Mugaritz todo o ano fecha quatro meses apenas para pesquisar alimentos e a bola da vez são os doces. A pesquisa interdisciplinar estuda o consumo, costumes, sabores, tipos e funções dos doces pelo mundo. O movimento Slow Food também participa para criar um mapa do paladar sobre o assunto.

Seu restaurante trabalha também com o departamento de novas tecnologias e novos alimentos do centro tecnológico AZTI-Tecnalia, também na Espanha. Já o restaurante mesmo fica em uma antiga fazenda no país basco, no norte espanhol.

Uma das criações dessa parceria foram as pompas de beterraba, cacau e mel, feitas com uma mistura de proteínas e gel, que contou com o auxílio de um especialista em tensões e controle de PH.             

Outra invenção, esta mais prática e para indústria mostrada em vídeo na palestra, foi o New Food Spray, que são sprays de alimentos embalados, prontos para comer ou cozinhar, como tempura, panquecas ou churros, em frigideira ou chapa.



E algo polêmico que Aduriz anunciou ano passado foi uma maneira para os clientes cheirarem a comida por meio de um celular. Essa pesquisa é feita com o professor da City University London, Adrian Cheok.

De acordo com um comunicado de imprensa, a intenção é criar um aplicativo que transmite o aroma de um prato por telefone. O protótipo chamado Scentee já está à venda lançado por uma empresa japonesa. Pode parecer estranho, mas esquecemos que o olfato é importantíssimo para nossas emoções, então investir nesse tipo de comunicação pode ter muito sucesso. 

O Scentee é um pequeno tanque na parte de baixo do celular e que é controlado por um aplicativo


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Somos lo que hacemos repetidamente - parte 1

Em 2013 o Brasil recebeu cerca de seis milhões de turistas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) com base em números da Organização Mundial do Turismo (WTO). A Espanha, que tem o tamanho próximo do estado de Minas Gerais, teve a visita de 65 milhões de turistas.

O que isso tem a ver com este site de gastronomia? Tudo. Essas informações foram passadas hoje (6 de maio) na abertura da palestra do chef espanhol Andoni Luis Aduriz em São Paulo na Universidade Anhembi Morumbi. Ele foi apresentado no auditório pela representante do consulado espanhol, que também informou que dos 65 milhões de turistas, 650 mil foram no país ibérico só para comer, conhecer a culinária espanhola.

Os restaurantes e profissionais de gastronomia da Espanha são festejados hoje no mundo como artistas de vanguarda. Isso é o famoso valor intangível. A experiência e a emoção de comer esses pratos não têm preço. Claro que pode haver exageros nos elogios, mas o país se tornou referência porque buscou reinventar a gastronomia.

Estudo cozinha faz pouco tempo, conheço profissionais da área e já estagiei em um ótimo restaurante no Brasil. Então ainda tenho muito a aprender, mas minha impressão hoje é que estamos muito longe de criar uma marca da culinária brasileira. Digo isso pela baixa qualidade da mão de obra, falta de investidores e o clima pesado que ainda existe nas cozinhas do Brasil, com muito assédio moral e pouca abertura para inovar. Claro, o que não é desculpa para fazer diferente.

Andoni Luis Aduriz, chef do premiado Mugaritz na cidade de Errenteria falou justamente sobre criatividade e vanguarda em sua palestra, contou sua realidade na Espanha. Para ele o que molda a cabeça de uma pessoa são seus hábitos, por isso é tão importante que o caminho da criatividade comece simplesmente com pensamentos criativos, isto é, se forçar todos os dias a criar. Todos os dias.

Para endossar essa tese ele citou a mielina, uma substância estimuladora responsável proteger o circuito neural. Segundo Aduriz, há muitos cientistas que afirmam que a capa de mielina é mais rígida nas áreas do cérebro mais usadas, ou seja, se a pessoa cria hábitos criativos seu cérebro automaticamente estará mais propenso a esses pensamentos.

Aduriz provocou e disse que a cozinha tradicional é sinônimo de desconfiança. Ele explicou que a espécie humana passou cerca de 250 mil anos se alimentando com riscos, isto é, em sua evolução e falta de conhecimentos cada refeição de nossos antepassados tinha a chance de ser letal porque não haviam técnicas e saber sobre os alimentos. Apenas nos últimos 50, 100 anos a tecnologia dos alimentos e a segurança alimentar se desenvolveu ao ponto de minimizar vários riscos de saúde.

Porém o que ficou foi nossa base biológica, nossa memória ancestral de que só a comida tradicional provada antes por vários membros mais velhos da tribo é que é aceitável, caso contrário há riscos. Aduriz lembrou que isso está em casa também, porque os primeiros pratos que aprendemos a amar e confiar na maioria das vezes são de nossas mães ou avós.


Por isso ele defendeu que a cozinha só pode ser mudada quando se cria o hábito de pensar diferente, de forma positiva sobre as mudanças. Isso gera também um automatismo, mas agora de mudanças. “Somos lo que hacemos repetidamente”, disse o chef. 

Andoni Luis Aduriz

segunda-feira, 30 de março de 2015

Da época também custa menos

Sempre escrevi aqui que os alimentos da estação são mais saborosos e por isso devem estar nos pratos. Estudando gestão de restaurantes no Senac (sou aluno) descobri outros argumentos, econômicos, que fortalecem ainda mais o uso dos alimentos de época. 

E há ferramentas de gestão para conseguir dados estatísticos dos alimentos para evitar perdas e se planejar melhor. Sobre o desperdício, há formas de diminuir perdas com um controle mais adequado das mercadorias, dos pedidos e das sobras. Sobre o primeiro tópico existem diversos cálculos para acompanhar a manipulação e evitar perdas. Braga (2008) explica que uma grande parte dos insumos utilizados na preparação dos produtos não está pronta para o uso e necessita de manipulação, o que provoca perdas.

O dono do restaurante paga pela quantidade total, mas parte dela será jogada fora no pré-preparo. Portanto, devem-se registrar essas perdas para análise de custos e tomada de ações para redução de perdas.

Podem ser criadas tabelas para corrigir essas perdas em alguns insumos. Esse fator, chamado de fator de correção (FC), mede a relação entre o peso bruto (PB) e o peso limpo (PL) do alimento. Alguns autores chamam esse fator de indicador de parte comestível (IPC). Entende-se por peso bruto o peso na forma em que o insumo é adquirido; e por peso limpo o peso depois do insumo ser limpo e estar pronto para ser utilizado.

Por exemplo, se um restaurante adquiriu 20 kg de filé mignon e no pré-preparo pesou 15,63 kg, o fator de correção será FC = 20 / 15,63 = 1,28. No cálculo do custo, o valor pago pela carne será dividido por 15,63 e não por 20. Os desperdícios têm de ser considerados no custo.

Para diminuir desperdícios o FC ajuda a avaliar, por exemplo, os fornecedores.

“Às vezes, o restaurante opta por um preço mais baixo, mas precisa ficar atento aos desperdícios. Quanto maior o desperdício, maior o fator de correção e menor a qualidade do fornecedor. Os insumos de alto consumo ou caros precisam ser analisados com frequência e acuidade.” (Braga, 2008, p. 56)

Há épocas também em que certos alimentos estão fora da safra e apresentam problemas de qualidade com alterações significativas nas perdas. As variações apresentadas pelo fator de correção podem identificar esses períodos e ajudar a planejar medidas inteligentes, que permitam manter a qualidade dos pratos sem grandes elevações de seu custo, como a substituição por ingredientes similares de época ou porcionamentos menores.

Na luta diária para reduzir os desperdícios deve-se ter em conta que o FC é influenciado por vários fatores que podem ser melhorados ou levar a exclusão de produtos, métodos ou mesmo pessoas se forem insatisfatórios, como a região de cultivo; os vícios do produtor e do fornecedor do insumo, que muitas vezes não eliminam sujidades como pedras e outros materiais estranhos na colheita; o tipo do insumo; e os métodos, equipamentos e utensílios utilizados pelo restaurante no pré-preparo, além do fator humano, como um funcionário que não sabe a forma adequada de cortar um peixe.

A respeito do controle dos pedidos, muitos restaurantes utilizam na cozinha um controle dos pratos à la carte apenas de forma verbal, o que pode aumentar os erros. Os pedidos são digitados no caixa para discriminação em notas fiscais e registro, o que nesse caso é benéfico para análises futuras dos pratos menos ou mais pedidos. Mas não há um software específico para estudar esse banco de dados.

Fonseca (2014) destaca que uma comanda pode também ser automatizada. Nesse caso, os dados são anotados em uma comanda simples e transferidos para um computador, que irá automaticamente distribuir os pedidos nos seus respectivos setores de produção, como cozinha, bar, copa ou cambusa. Além disso, o computador já faz com que as informações sejam automaticamente somadas, elaborando assim facilmente um relatório consolidado por mesa e do movimento geral do restaurante. Com o cruzamento de dados podem ser verificados e ajustados os volumes de consumo, movimentação de estoque e volumes de compras. 

Alimentos da Estação - alguns exemplos

Abóbora cabotiã


Outono
Abóbora, abobrinha, acelga, alface, batata-doce, berinjela, brócolis, chuchu, mandioca, nabo, pimentão, quiabo, rabanete, tomate, vagem, repolho, abacate, banana, caqui, coco, goiaba, jaca, laranja, limão, maçã, maracujá, melancia, pera e tangerina

Inverno
Abóbora, abobrinha, batata doce, berinjela, brócolis, cará, cenoura, couve-flor, ervilha, inhame, mandioca, mandioquinha, nabo, acelga, alface, chicória (escarola), couve, espinafre, mostarda, repolho, banana, laranja, limão, mamão, melão, morango, pera, pinhão e tangerina

Primavera
Abóbora, abobrinha, alcachofra, berinjela, beterraba, cenoura, chuchu, couve-flor, ervilha, mandioquinha, nabo, vagem, alface, almeirão, catalonha, chicória (escarola), repolho, banana, caju, laranja, melão, morango e pêssego

Verão
Abóbora, abobrinha, agrião, alcachofra, alho, batata-doce, berinjela, cenoura, chicória (escarola), chuchu, jiló, mandioca, milho verde, moyashi (broto de feijão), nabo, pimentão, quiabo, rabanete, repolho, abacaxi, abacate, ameixa, banana, caju, coco, figo, goiaba, jaca, laranja, limão, maçã, manga, maracujá, melancia, melão, pera e uva

Os alimentos da estação são mais saudáveis porque apresentam maior abundância de seus componentes, como as vitaminas e sais minerais, por exemplo. É a programação genética de cada planta. Numa determinada época do ano, que pode variar de espécie para espécie, disparam os mecanismos reprodutivos aumentam as raízes e caules, produzem mais folhagens, geram as flores e os frutos.

Mas a produção natural só acontece quando a planta está no seu estágio mais sincronizado com o ecossistema, quando sua nutrição, desenvolvimento e vitalidade são plenos. Tudo isso é passado para cada parte da planta que frutifica e amadurece o tempo certo. Por isso seu aroma será inebriante, seu sabor prazeroso e salivador (dá água na boca), terá maior concentração de sumo e fibras (crocância), sementes maiores e entumescidas, vitaminas e sais minerais serão abundantes.

O alimento fora da estação perde muito dessas características. Perde seu cheiro característico, será mais seco e pobre nutricionalmente. Além disso, para serem produzidas fora da época certa, precisam receber grandes doses de fertilizantes químicos e agrotóxicos, insumos artificiais que são caros e tóxicos para todos (solo, água, ar, fauna, flora, produtor e consumidor).


Fontes: 
BRAGA, Roberto M. M. Gestão da gastronomia: custos, formação de preços, gerenciamento e planejamento do lucro. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.

FONSECA, Marcelo Traldi. Tecnologias gerenciais de restaurantes. 7ª ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2014.

MARTINS, L. - O Barato da Feira/São Paulo - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, 1999


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Você mesmo


Fazer você mesmo algo que sempre adquiriu pronto dá uma satisfação. É esse prazer que existe na cozinha e precisa ser percebido. Falo de algo simples que aprendi, a maionese.

É “apenas” uma emulsão, ou seja, combinação mecânica (com fouet, liquidificador ou no meu caso um mixer, agitando em um pote fechado) de elementos que não se misturam naturalmente, como a água e o óleo.

Com isso os elementos são quebrados em partículas muito pequenas, que ficam em suspensão, dando a impressão de que estão misturados. Existem três tipos de emulsão: temporária (vinagrete), semipermanente (hollandaise) e permanente (a maionese).

A maionese é molho feito da combinação de gemas, ácido e óleo. Por conter gema, rica em lectina – agente emulsificante –, a maionese não se separa quando pronta.

A proporção básica é 180 ml a 240 ml de óleo para 1 gema. A quantidade de óleo deve variar de acordo com o tamanho das gemas. Por tratar-se de um molho de base, o óleo deve ser preferencialmente neutro (como o de canola), salvo se quiser dar sabor ao preparo, como com o uso de azeite. Mas pelo sabor forte muitas vezes é melhor usar meio a meio.

Na produção da maionese pode-se usar suco de limão e diferentes tipos de vinagre. O ácido é utilizado para dar sabor e para ajustar a consistência do molho.

A maionese e molhos que a contém como base podem ser usados em saladas, como dip para vegetais e peixes, sanduíches etc.

A receita da Mariana Sebess, do Senac, sugere adicionar mostarda para dar sabor. Para uma boa quantidade de maionese é utilizado 1 litro de óleo, 6 a 8 gemas, 50g de mostarda, 50ml de vinagre branco, 25ml de suco de limão, sal e pimenta branca moída. Primeiro as gemas são colocadas em uma tigela de aço inoxidável.

É acrescentado sal às gemas e com um fouet bate-se até espumar. Depois junta-se óleo aos poucos, sob forma de fio, continuando a bater energicamente.

Deve-se bater até tomar consistência espessa, mas suave. Por último, acrescentar o suco de limão, o vinagre branco e a mostarda.

A Rita Lobo do Panelinha usa um mixer para fazer. No copo do mixer, junte as gemas, a mostarda, o vinagre e o óleo. Pressione o mixer contra o fundo do copo e bata por dez segundos, sem mexer. 

Quando a maionese se formar, levante o mixer para uma das laterais, sem parar de bater, e repita para o outro lado. Em 15 segundos, a maionese fica pronta.


No liquidificador também funciona. A receita da escola Kövesi indica adicionar um pouco de água às gemas para facilitar a emulsificação. Coloque no liquidificador as gemas, o vinagre, a água, a mostardal, sal e pimenta. Bata até que a mistura esteja espumosa, adicionando aos poucos óleo em fio, como o liquidificador em velocidade média. Acerte a acidez e a textura com suco de limão se necessário.

Maionese pronta


Fontes:
"Técnicas de cozinha profissional", Mariana Sebess, Editora Senac São Paulo.
"400g - Técnicas de Cozinha", Betty Kövesi, Carlos Siffert, Carole Crema e Gabriela Martinoli, Companhia Editora Nacional

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Cânones e variações dos molhos/fundos – parte 4

É a mãe! Depois dos caldos/fundos, a cozinha precisa dos molhos para ter vida. E na cozinha clássica existem cinco molhos-mãe (béchamel, velouté, espagnol, de tomate e hollandaise).

Um molho é considerado molho-mãe quando apresenta as seguintes características: pode ser preparado em grandes quantidades e depois aromatizado, finalizado e guarnecido de inúmeras maneiras, produzindo os molhos compostos; tem sabor básico, possibilitando adição de outros ingredientes; e tem durabilidade.

Um molho que já aprendi a fazer é o béchamel. Ele tem textura cremosa, sabor suave e é a base apra diversas preparações na cozinha, como recheios, e molhos. Se for preparado adequadamente, o béchamel fica com um sabor suave e uma coloração clara, que reflete seu ingrediente principal, o leite.

Sua cocção tem que ser no mínimo de 15 minutos, para que o sabor da farinha crua desapareça. Para que seja utilizado como base, o molho béchamel deve ser preparado com uma quantidade grande de roux, para depois poder ser alongado (adicionar mais líquido a um preparo para diluí-lo) de acordo com o uso.

E o que é o roux? É um tipo de agente espessante. Quantidades iguais de farinha e manteiga ou óleo são cozidas e usadas para engrossar vários molhos. O termo francês roux significa castanho-escuro ou marrom e geralmente se refere à cor da mistura.

Os roux podem ser branco, blond e marrom (brun). O branco é usado para fazer o molho branco e o béchamel. Aquece-se a manteiga e acrescenta-se a farinha de trigo de uma vez só, mexendo até formar uma pasta. Cozinhe por aproximadamente 3 minutos (a partir da adição de farinha) em fogo baixo e sem parar de mexer, ou até que adquira uma coloração marfim. Para não encaroçar e obter um colorido uniforme, mexa o roux constantemente  pegando todo o fundo da panela.

As proporções para se produzir 1 litro de béchamel em diferentes consistências são: leve 50g de roux, médio 80g de roux, e pesado 100g de roux.

A receita da escola Kövesi orienta que para um litro de béchamel é necessário 100g de roux branco; 1 litro de leite; cebola piquée (espetada com folha de louro e cravos da Índia) feita com 1/2 cebola com 2 cravos-da-Índia e 1 folha de louro; noz-moscada ralada na hora, sal e pimenta do reino moída na hora.

No preparo deve-se aquecer uma panela e fazer o roux branco. Depois juntar aos poucos o leite, mexendo constantemente para evitar a formação de grumos. Ao ferver adicionar a cebola piquée. Abaixe o fogo. Cozinhar por pelo menos 30 a 40 minutos, escumando a superfície para retirar impurezas e mexendo ocasionalmente. Depois coe, tempere com noz-moscada, sal e pimenta e guarde sob refrigeração para uso posterior.

O livro da Le Cordon Bleu tem um outro passo, aromatizar o leite antes. O leite é temperado por infusão com cebola, alho, folha de louro, noz-moscada ralada na hora, sal e pimenta do reino moída na hora. Aqueça o leite e os temperos, mexendo de vez em quando. Tire do fogo. Tampe e deixe descansar por 10 minutos. Passe o leite pela peneira e acrescente-o ao roux.

O molho béchamel deve seu nome a Louis Béchameil, assessor de Luís XIV. É improvável que o aristocrata o tenha inventado. O mais provável é que o molho tenha sido idealizado por um cozinheiro real e dedicado a Béchameil. O molho original combina creme de leite com um velouté grosso (o velouté é uma mistura de um fundo claro e roux amarelo e tem textura aveludada).

Uma boa combinação com o béchamel - pasta verde e brócolis no vapor

Fontes:
"Le Cordon Bleu - Todas as técnicas culinárias", Jeni Wright, Eric Treuille, Editora Marco Zero
"400g - Técnicas de Cozinha", Betty Kövesi, Carlos Siffert, Carole Crema e Gabriela Martinoli, Companhia Editora Nacional

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Onde se planta melhor se come melhor

O que o agricultor tem a ver com o cozinheiro? Tudo. A demanda do último guia a produção do primeiro. A qualidade da produção do primeiro incentiva a criatividade do segundo.

No caso de cozinha profissional quando você conhece o produtor pode negociar preços e prazos de entrega, como em qualquer ramo profissional. Mas na cozinha você aprende enormemente com o agricultor e pode criar vínculos para transformar o campo em laboratório.

Em Gonçalves (MG) conheci os pequenos agricultores Tiana e Ocid, dois engenheiros que foram parar na roça há mais de dez anos por amor. Eles participam da feira orgânica da cidade, têm sua produção já enviada para outras cidades como São Paulo e trabalham em parceria com restaurantes e pousadas. Atuam também oferecendo sua terra e experiência para fornecer produtos sob encomenda para cozinheiros, como o broto de samambaia.

A experiência desses homens e mulheres do campo, participantes do Slow Food, é muito antiga e de respeito. É um modo de produção que dá muito mais sabor e saúde aos alimentos e não fere a terra e água.

Tiana usa alta tecnologia para adubar a terra: um galinheiro móvel. É apenas uma tela com galinhas dentro que pode ser deslocada pela plantação. As galinhas ajudam na produção de alimentos a baixo custo e controle de ervas invasoras, insetos e adubação orgânica. Depois descobri até um vídeo dessa ideia na internet.


E no cultivo da terra Tiana e Ocid obedecem a rotação de cultivos, os cultivos associados e o controle biológico. É importante prever a rotação dos cultivos na horta, evitando cultivar a mesma espécie durante vários anos e sempre na mesma parte da horta (por exemplo plantar tomates onde na safra anterior havia tomates). A rotação é importante pois alterna plantas que empobrecem o terreno, com plantas que o enriquecem, melhora a estrutura do terreno e interrompe o ciclo vital dos parasitas ligados a um determinado cultivo ou de ervas daninhas.

Também é importante associar, na horta, dois ou mais cultivos. Escolhendo-os bem, se reduz ao mínimo a competição entre eles, favorecendo a ajuda mútua entre diversos cultivos. Algumas plantas podem fixar o nitrogênio, outras podem atrair os insetos benéficos ou afastar os insetos nocivos, outras ainda podem ser um suporte para outros cultivos (como no caso do milho com o feijão). 

Também existem plantas capazes de captar a energia solar ainda que posicionadas abaixo de outros cultivos: é o caso da abóbora, que consegue captar a luz graças à folhagem. No sul de Minas Gerais essa escolha é feita em função do clima e da vegetação específica, da prevalência de pragas e infestantes.

No controle biológico há muitas possibilidades. Efetua-se usando inimigos naturais, que podem atacar os insetos nocivos, eliminando-os ou mantendo sob controlo a sua população. Os inimigos naturais podem ser comprados (produzidos em laboratório em universidades e centros de pesquisa), mas, muitas vezes, se encontram na natureza.

Alguns produtos bacterianos (ou extratos de fungos) são nocivos para os insetos danosos, outros inibem o desenvolvimento de micro-organismos que provocam pragas. Distribuídos em cultivos como um normal produto antiparasitário, são inócuos para o homem e demais animais de sangue quente. (por exemplo: Tricorema, Bacillus thuringensis, Bauveria Baussiana, NPV virus, nematodi Stemeumema etc.).

A horta do sítio do Tiana

Inseticidas de origem vegetal também são usados, como alguns produtos tradicionais – como o extrato de tabaco (contendo nicotina), neem (contendo azadiractina), pimenta malagueta, alho, gengibre, baobá, urtiga, etc. – são muito eficazes para o controlo de insetos danosos. Em Gonçalves se vê muito as hortas com mamona e urtigas entre os pés de alimentos.

Antiparasitários de origem mineral ou outra origem são outra opção. Alguns produtos tradicionais são à base de minerais – como enxofre, arame, carbonato de cálcio, etc. – ou de outros componentes: sabão, óleo, cinzas, etc.

Tudo isso deixa os alimentos menores, mas com um sabor bem melhor. A natureza não produz cenouras de 20 centímetros ou tomates de 200g. Claro, o preço é maior porque o manejo precisa de mais cuidados e não é tão rápido. Mas a saúde e o sabor valem esse preço. E se esse tipo de produção for valorizada e replicada vai ter um valor menor no futuro.


O movimento Slow Food tem detalhes desse modo de produção em uma cartilha feita para um projeto desenvolvido na África. Pode ser acessada aqui

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Cânones e variações dos molhos/fundos – parte 3

Aplicações práticas dos caldos/fundos são inúmeras. Veja, por exemplo, os alimentos de textura fibrosa e sabor forte. Com os caldos eles ficam muito melhores.

É o que descobri com a erva-doce ou o funcho. Eu só conhecia o chá mas tinha curiosidade de comer o bulbo. Ele é grande, carnudo e parece estranho de comer. As folhas delicadas são utilizadas como erva, em peixes e cremes.

Erva-doce ou funcho

Descobri que o sabor do bulbo é refrescante e adocicado, mas realmente é difícil de mastigar porque é cheio de fibras. Um caldo de ave pode resolver isso.

Vamos então ao fundo de ave. O processo é semelhante ao de carne. O ingrediente principal é a carcaça de galinha, que é vendida em açougues maiores a um preço ótimo, centavos de reais. Eu usei duas carcaças para três litros de água.

É necessário refogar cebola, alho, salsão, alho-poró, todos em mirepoix, e somando cerca de 500g. Quando murchar adicione a galinha e refogue mais. Adicione meia xícara de vinho branco seco para deglaçar.

Depois coloque a água. Também usei um bouquet garni, três grãos de pimenta do reino e dois cravos. Espere ferver e depois diminua para o fogo mínimo. Cozinhe por 3 horas.

Com uma escumadeira retire a gordura várias vezes durante o cozimento. No final coe o caldo e deixe esfriar. O livro da Le Cordon Bleu ensina a armazenar os caldos: despeje o caldo já frio em bandejas de gelo; leve ao congelador por 4 horas, até endurecer; retire-os da bandeja de cubos e coloque em um saco plástico de congelar; feche o saco e guarde os cubos no congelador para o próximo uso.

Como o caldo pronto, volte para o funcho/erva-doce. Coloque ela cortada em água gelada para não escurecer. Para dar mais sabor, escolha os bulbos maduros que são redondos e gordos.

Apare as extremidades do bulbo, reservando as folhas para guarnecer. Lave-o. Corte primeiro o bulbo, verticalmente. Corte cada metade em quartos. Se for fatiar, corte o bulbo ao meio no sentido vertical e vire as metades para baixo. Em seguida corte as fatias no sentido horizontal.

Na receita que fiz primeiro derreti 30g de manteiga sem sal e suei (aquecimento gradual apenas para soltar sucos dos alimentos) ½ cebola cortada em brunoise. Aí vão 2 ervas-doces cortada, que deve ser fritada lentamente.

Adicione 50 ml de vinho branco seco, deixe reduzir e adicione 1 litro de fundo de ave. Esse tipo de cozimento é o famoso braseado, ou seja, dourar previamente o alimento em gordura quente e em seguida cozinha-lo com pouco líquido em panela tampada. O cozimento se dá pela fervura do líquido associada ao vapor criado por ele.

Voltando à receita, quanto estiver fervendo adicione um sachet d’épices, sal e pimenta do reino moída na hora. Cozinhe em fogo baixo, tampado, até que o funcho esteja cozido, mas ainda firme.
Retire a erva-doce, reduza o líquido do cozimento, produzindo um molho, acerte o tempero e coe se quiser para servir sobre a erva-doce.

O prato que fiz, com a erva-doce braseada, kafta de forno, frango com cardomomo e arroz vermelho

Fontes:
"Le Cordon Bleu - Todas as técnicas culinárias", Jeni Wright, Eric Treuille, Editora Marco Zero
"400g - Técnicas de Cozinha", Betty Kövesi, Carlos Siffert, Carole Crema e Gabriela Martinoli, Companhia Editora Nacional