quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Onde se planta melhor se come melhor

O que o agricultor tem a ver com o cozinheiro? Tudo. A demanda do último guia a produção do primeiro. A qualidade da produção do primeiro incentiva a criatividade do segundo.

No caso de cozinha profissional quando você conhece o produtor pode negociar preços e prazos de entrega, como em qualquer ramo profissional. Mas na cozinha você aprende enormemente com o agricultor e pode criar vínculos para transformar o campo em laboratório.

Em Gonçalves (MG) conheci os pequenos agricultores Tiana e Ocid, dois engenheiros que foram parar na roça há mais de dez anos por amor. Eles participam da feira orgânica da cidade, têm sua produção já enviada para outras cidades como São Paulo e trabalham em parceria com restaurantes e pousadas. Atuam também oferecendo sua terra e experiência para fornecer produtos sob encomenda para cozinheiros, como o broto de samambaia.

A experiência desses homens e mulheres do campo, participantes do Slow Food, é muito antiga e de respeito. É um modo de produção que dá muito mais sabor e saúde aos alimentos e não fere a terra e água.

Tiana usa alta tecnologia para adubar a terra: um galinheiro móvel. É apenas uma tela com galinhas dentro que pode ser deslocada pela plantação. As galinhas ajudam na produção de alimentos a baixo custo e controle de ervas invasoras, insetos e adubação orgânica. Depois descobri até um vídeo dessa ideia na internet.


E no cultivo da terra Tiana e Ocid obedecem a rotação de cultivos, os cultivos associados e o controle biológico. É importante prever a rotação dos cultivos na horta, evitando cultivar a mesma espécie durante vários anos e sempre na mesma parte da horta (por exemplo plantar tomates onde na safra anterior havia tomates). A rotação é importante pois alterna plantas que empobrecem o terreno, com plantas que o enriquecem, melhora a estrutura do terreno e interrompe o ciclo vital dos parasitas ligados a um determinado cultivo ou de ervas daninhas.

Também é importante associar, na horta, dois ou mais cultivos. Escolhendo-os bem, se reduz ao mínimo a competição entre eles, favorecendo a ajuda mútua entre diversos cultivos. Algumas plantas podem fixar o nitrogênio, outras podem atrair os insetos benéficos ou afastar os insetos nocivos, outras ainda podem ser um suporte para outros cultivos (como no caso do milho com o feijão). 

Também existem plantas capazes de captar a energia solar ainda que posicionadas abaixo de outros cultivos: é o caso da abóbora, que consegue captar a luz graças à folhagem. No sul de Minas Gerais essa escolha é feita em função do clima e da vegetação específica, da prevalência de pragas e infestantes.

No controle biológico há muitas possibilidades. Efetua-se usando inimigos naturais, que podem atacar os insetos nocivos, eliminando-os ou mantendo sob controlo a sua população. Os inimigos naturais podem ser comprados (produzidos em laboratório em universidades e centros de pesquisa), mas, muitas vezes, se encontram na natureza.

Alguns produtos bacterianos (ou extratos de fungos) são nocivos para os insetos danosos, outros inibem o desenvolvimento de micro-organismos que provocam pragas. Distribuídos em cultivos como um normal produto antiparasitário, são inócuos para o homem e demais animais de sangue quente. (por exemplo: Tricorema, Bacillus thuringensis, Bauveria Baussiana, NPV virus, nematodi Stemeumema etc.).

A horta do sítio do Tiana

Inseticidas de origem vegetal também são usados, como alguns produtos tradicionais – como o extrato de tabaco (contendo nicotina), neem (contendo azadiractina), pimenta malagueta, alho, gengibre, baobá, urtiga, etc. – são muito eficazes para o controlo de insetos danosos. Em Gonçalves se vê muito as hortas com mamona e urtigas entre os pés de alimentos.

Antiparasitários de origem mineral ou outra origem são outra opção. Alguns produtos tradicionais são à base de minerais – como enxofre, arame, carbonato de cálcio, etc. – ou de outros componentes: sabão, óleo, cinzas, etc.

Tudo isso deixa os alimentos menores, mas com um sabor bem melhor. A natureza não produz cenouras de 20 centímetros ou tomates de 200g. Claro, o preço é maior porque o manejo precisa de mais cuidados e não é tão rápido. Mas a saúde e o sabor valem esse preço. E se esse tipo de produção for valorizada e replicada vai ter um valor menor no futuro.


O movimento Slow Food tem detalhes desse modo de produção em uma cartilha feita para um projeto desenvolvido na África. Pode ser acessada aqui

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