segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Alimentos industrializados X alimentos mais artesanais

Alimentos industrializados são benéficos financeiramente e fornecem ganho de tempo para milhões consumidores e também para milhares de restaurantes (a BRF tem um prêmio só para produtos que ajudam o cozinheiro a quebrar etapas, diminuir o tempo de preparo dos pratos, reduzir o número de etapas do processo)

Mas infelizmente o ser humano, de qualquer país, com algo que faça bem para o bolso e economize tempo vai ficar viciado. O país com melhor gastronomia do mundo também tem casos de comida congelada nos restaurantes

Mas, claro, o excesso de alimentos industrializados é péssimo para o sabor e para a saúde. Deveriam ser só uma opção ocasional para as pessoas ou só usado com parcimônia pelos restaurantes

Na França é interessante que isso virou polêmica nacional e rapidamente vieram consequências

Na minha opinião essa reação ocorreu lá dois motivos: educação e ativismo.

Primeiro, exemplo da educação. No documentário "Muito além do peso" (Estela Renner) um dos depoimentos é do chef britânico e apresentador de TV Jamie Oliver. O filme tinha imagens dele porque ele se tornou um grande defensor de bons hábitos alimentares para as crianças. Ele fez uma série viagens ao EUA para mostrar como eram os hábitos alimentares de famílias de cidades pequenas. Elas viraram programas de TV.

Esses programas são dramáticos porque ele encontrou muitas famílias que não sabiam cozinhar absolutamente nada, que não ligavam seus fogões há meses. Tudo que eles consumiam era congelado ou delivery. O Oliver ensinou a cozinhar a essas famílias, mostrou como utilizar os alimentos e conseguiu criar a fundação Food Revolution para mudar cardápios em escolas e para que mais pessoas ensinem outras a cozinhar e conhecer alimentos

Aqui alguns vídeos do programa

Na educação, para mim os profissionais de alimentação sempre podem disseminar esse bom conhecimento nos seus trabalhos e vida familiar e social. Ensinar o que é alimentação alternativa e saudável e sempre procurar utilizar processos e produtos que sejam mais naturais e saudáveis.

Claro, na vida real sempre vai faltar dinheiro, mas se não houver pessoas pelo menos tentando mostrar caminhos diferentes a alimentação saudável vai continuar sendo mais trabalhosa e mais cara

O segundo ponto, ativismo. Temos alguns alimentos que no Brasil são “proibidos” praticamente. A Anvisa exige uma padronização excessiva para a produção de alimentos e para os tipos de alimentos com a sempre justificativa de que outros modos podem trazer riscos para a saúde

Entram nessa lista o queijo de leite cru (como o produzido na Paraíba por produtores de cabra); algas marinhas para produção de agar-agar (há produções no Ceará de espécies alternativas que a Anvisa não aceita); o mel de abelhas nativas (o mel que estamos acostumados a comer é extraído de abelhas que foram trazidas para o país da África e da Europa e geram um produto com menos umidade, mas o Brasil tem várias abelhas que são nativas e geram mel mais úmido e saboroso, como o feito no Pará); algas marinhas (há produções em Santa Catarina de espécies alternativas que a Anvisa não aceita); e carne de pequenos produtores (produção de carneiro no Rio Grande do Sul feita com métodos artesanais)

Esse é o chamado iramel. Mel produzido pela abelha Uruçu-Cinzenta, espécie nativa do Brasil e que não tem ferrão. A produção é em Bragança (PA)
O grande problema é que a Anvisa vê como mais simples proibir tudo do que respeitar cada pequena produção, algumas com mais de 100 anos, e tentar impor normas sanitárias exclusivas que controlem, mas não proíbam a comercialização em larga escala. Quem disse isso, na ordem dos alimentos acima, foram os chefs Guga Rocha, Ivan Prado e Lia Quinderé, Thiago Castanho, Alex Atala e Floriano Spiess no MESA SP 2014.

Todos afirmaram que esses produtos são melhores do que similares importados e industrializados e por isso usam eles em suas cozinhas. São produtos mais caros por causa das limitações impostas pela Anvisa e pelo modo de produção diferente, mas fazem isso pelo diferencial de um restaurante gastronômico e também porque usar esses produtos é um ato político – mostra para o público que o produto brasileiro artesanal está sendo valorizado

O movimento Slow Food também faz muito disso com o projeto Arca do Gosto, que é um catálogo mundial que identifica, localiza, descreve e divulga sabores quase esquecidos de produtos ameaçados de extinção, mas ainda vivos, com potenciais produtivos e comerciais reais

Outra forma de ativismo, o ATÁ, instituto criado pelo Alex Atala, está colhendo assinaturas para transformar a gastronomia em patrimônio cultural brasileiro a partir de projeto no Congresso. Isso deve tornar mais fácil pequenos produtores defenderem seus alimentos e consequentemente esses produtos serem mais facilmente encontrados

O Guga Rocha, por exemplo, disse que o queijo de leite cru passou por todas essas proibições na França também. Mas só que lá isso foi resolvido há muito tempo, mais de 100 anos. Como a gastronomia e boa alimentação é entendida lá como patrimônio do país rapidamente as pessoas sinalizaram e protestaram sobre que proibir o queijo de leite cru era um absurdo. E realmente, queijo de leite cru é uma delícia.