quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Poolish, sourdough, biga, levain, madre, chef, pâte fermentée, starter, massa azeda...

Fermento natural ou pré-fermento tem uma infinidade de nomes e fórmulas. Aprendi a fazer pães e agora estou estudando como fazer meu fermento. É muito legal porque não deixa de ser um “bicho” que você precisa alimentar para o seu pão dar certo.
Eu tenho tios agricultores que criavam porcos e no fim de ano sempre ficavam com dúvida se matavam ou não os bichos. Dava pena de sangrar eles, diziam eles. Claro que é uma comparação fraca, os microrganismos do fermento estão em todo lugar, a cultura que eu faço só organiza e multiplica eles. E também é uma forma de vida sem nenhuma expressão emocional. Mas faz pensar que a boa comida geralmente passa pela morte de algo. Comida é sagrada mesmo.
Canella-Rawls chama o fermento natural de uma cultura fermentada baseada em bactérias e fermentadores que são encontrados na atmosfera. Os termos do título acima são genericamente conhecidos como pré-fermentos.
Pâte fermentée significa massa fermentada, ou massa antiga. Se o padeiro misturasse a massa de pão francês e deixasse uma sobra para ser utilizada na próxima massa, seria o chamado pâte fermentée. Em questão de horas, essa sobra de massa fermenta e amadurece, e pode trazer qualidades desejáveis para a próxima massa. Sendo o pâte fermentée sobra ou reserva de uma massa já pronta, notamos que contém, obviamente, todos os ingredientes da massa final, ou seja, farinha, água, fermento comercial, sal, açúcar e gordura, por exemplo.
Biga é um termo italiano que genericamente significa pré-fermento. Pode ser de textura consistente ou líquida (100% de hidratação). É feita de farinha, água e uma pequena quantidade de fermento comercial. Uma vez misturada, é deixada amadurecendo entre doze e quinze horas. Observe que a biga não leva sal. Diferente do pâte fermentée, a biga é feita separadamente, em processo independente de produção.
O poolish é um pré-fermento de origem polonesa cujo uso se disseminou da década de 1840. Era largamente utilizado na Áustria, como fermentador dos pães de Viena. Foi levado para a França e, até meados de 1920, era o fermento utilizado pela grande maioria das padarias francesas. Em Paris, ainda se encontram antigos anúncios de “pão francês e pão vienense”.
O pão vienense elaborado com poolish apresentava sabor menos ácido do que o pão produzido com o levain ou pâte fermentée, e era praticamente livre do odor de ácido acético e vinagre. Por isso a fermentação dessa esponja podia estender-se de três a sete horas antes da mistura, o que resultava na formação de ácidos orgânicos complexos que enriqueciam o conteúdo aromático tanto da massa quando do pão finalizado. Foi esse enriquecimento, a fermentação alcoólica não acética, que fez os pães produzidos por tal método tão consumidos por toda a Europa.
Por definição, o poolish é feito com partes iguais de farinha e água (o que implica em 100% de hidratação), e uma pequena porção de fermento comercial, em torno de 1%. Outro fator primordial é o da temperatura ambiente. Um pré-fermento que está amadurecendo em ambiente com temperatura na faixa de 25º C, por exemplo, poderia requerer mais fermento comercial do que aquele a ser amadurecido em ambiente mais quente, em torno de 32º C.
Já sourdough e levain para o mercado norte-americano têm o mesmo significado, e são usados alternadamente. Na Europa não. Na Alemanha, sourdough (sauerteig) é a cultura de farinha de centeio e água. Na França, levain é a cultura feita exclusivamente ou quase exclusivamente de farinha de trigo comum e água. Tanto o estilo germânico como o francês se iniciam com a elaboração de uma pasta líquida ou mais consistente (dependendo do grau de hidratação), utilizando farinha e água, a qual é alimentada com mais massa em um bom período de tempo, desenvolvendo assim colônias de microrganismos que fermentam e se multiplicam. Para manter a pureza e condições de uso do levain ou sourdough, uma pequena porção da massa inicial amadurecida é retirada antes da mistura final da massa. Essa porção é gurdada, não contaminada por fermento, sal ou outras adições, e usada para iniciar a próxima massa.
A base em ambos os casos é cultura de fermento e bactérias que ocorre naturalmente e tem a capacidade de não apenas levedar ou expandir a massa, mas também de fornecer sabor, textura e aroma característicos a ela.
O sourdough, o levain e a massa azeda são diferentes do pâte fermentée, da biga e do poolish porque podem perpetuar-se por meses, anos... Mas o pré-fermento feito com fermento comercial deve ser assado depois de algumas horas ou no dia seguinte.
Durante os estágios iniciais da cultura de sourdough, levain ou massa azeda é comum a adição de frutas como maçã, banana e uva ou cebola ralada, por exemplo. Esses ingredientes podem reforçar, mas não são requeridos para o sucesso da massa azeda. Ao examinarmos o pré-fermento, se este se mostrar denso e não movimentado, provavelmente ainda não amadureceu o suficiente.
Ele deve parecer plenamente crescido, com leve declínio no centro, e com aroma agradável, levemente azedo.
Minha primeira experiência foi com o uso de uva passa para ajudar na fermentação, e sempre usando água mineral. Quanto maior a qualidade da água, melhor a fermentação natural.
Hidrate 200g de uva passa em água filtrada ou mineral. Deixe em um lugar quente e abafado até que pequenas bolhas apareçam na superfície – entre 8 e 12 horas.
Coe o líquido sobre um pano limpo e aperte bem para aproveitar todo o suco. Reserve a água e as passas você pode comer ou jogar fora.
Misture no líquido 250g de farinha de trigo. O ideal é fazer isso em um pote de plástico com tampa. Deixe em um lugar quente.
Espere fermentar até triplicar de volume – pode demorar de 1 dia (num verão úmido) até 3 dias (inverno seco).
Pronto, sua colônia de bichinhos está pronta para ser usada.  Depois falarei dos usos, benefícios e manutenção do fermento.
Meu levain ficou com essa aparência. Bem viscoso, com furinhos e um aroma ácido

Fontes:
CANELLA-RAWLS, Sandra. Pão: arte e ciência. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.
KÖVESI, Betty et al. 400 g: Técnicas de cozinha. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007.