quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Cânones e variações dos molhos/fundos – parte 4

É a mãe! Depois dos caldos/fundos, a cozinha precisa dos molhos para ter vida. E na cozinha clássica existem cinco molhos-mãe (béchamel, velouté, espagnol, de tomate e hollandaise).

Um molho é considerado molho-mãe quando apresenta as seguintes características: pode ser preparado em grandes quantidades e depois aromatizado, finalizado e guarnecido de inúmeras maneiras, produzindo os molhos compostos; tem sabor básico, possibilitando adição de outros ingredientes; e tem durabilidade.

Um molho que já aprendi a fazer é o béchamel. Ele tem textura cremosa, sabor suave e é a base apra diversas preparações na cozinha, como recheios, e molhos. Se for preparado adequadamente, o béchamel fica com um sabor suave e uma coloração clara, que reflete seu ingrediente principal, o leite.

Sua cocção tem que ser no mínimo de 15 minutos, para que o sabor da farinha crua desapareça. Para que seja utilizado como base, o molho béchamel deve ser preparado com uma quantidade grande de roux, para depois poder ser alongado (adicionar mais líquido a um preparo para diluí-lo) de acordo com o uso.

E o que é o roux? É um tipo de agente espessante. Quantidades iguais de farinha e manteiga ou óleo são cozidas e usadas para engrossar vários molhos. O termo francês roux significa castanho-escuro ou marrom e geralmente se refere à cor da mistura.

Os roux podem ser branco, blond e marrom (brun). O branco é usado para fazer o molho branco e o béchamel. Aquece-se a manteiga e acrescenta-se a farinha de trigo de uma vez só, mexendo até formar uma pasta. Cozinhe por aproximadamente 3 minutos (a partir da adição de farinha) em fogo baixo e sem parar de mexer, ou até que adquira uma coloração marfim. Para não encaroçar e obter um colorido uniforme, mexa o roux constantemente  pegando todo o fundo da panela.

As proporções para se produzir 1 litro de béchamel em diferentes consistências são: leve 50g de roux, médio 80g de roux, e pesado 100g de roux.

A receita da escola Kövesi orienta que para um litro de béchamel é necessário 100g de roux branco; 1 litro de leite; cebola piquée (espetada com folha de louro e cravos da Índia) feita com 1/2 cebola com 2 cravos-da-Índia e 1 folha de louro; noz-moscada ralada na hora, sal e pimenta do reino moída na hora.

No preparo deve-se aquecer uma panela e fazer o roux branco. Depois juntar aos poucos o leite, mexendo constantemente para evitar a formação de grumos. Ao ferver adicionar a cebola piquée. Abaixe o fogo. Cozinhar por pelo menos 30 a 40 minutos, escumando a superfície para retirar impurezas e mexendo ocasionalmente. Depois coe, tempere com noz-moscada, sal e pimenta e guarde sob refrigeração para uso posterior.

O livro da Le Cordon Bleu tem um outro passo, aromatizar o leite antes. O leite é temperado por infusão com cebola, alho, folha de louro, noz-moscada ralada na hora, sal e pimenta do reino moída na hora. Aqueça o leite e os temperos, mexendo de vez em quando. Tire do fogo. Tampe e deixe descansar por 10 minutos. Passe o leite pela peneira e acrescente-o ao roux.

O molho béchamel deve seu nome a Louis Béchameil, assessor de Luís XIV. É improvável que o aristocrata o tenha inventado. O mais provável é que o molho tenha sido idealizado por um cozinheiro real e dedicado a Béchameil. O molho original combina creme de leite com um velouté grosso (o velouté é uma mistura de um fundo claro e roux amarelo e tem textura aveludada).

Uma boa combinação com o béchamel - pasta verde e brócolis no vapor

Fontes:
"Le Cordon Bleu - Todas as técnicas culinárias", Jeni Wright, Eric Treuille, Editora Marco Zero
"400g - Técnicas de Cozinha", Betty Kövesi, Carlos Siffert, Carole Crema e Gabriela Martinoli, Companhia Editora Nacional

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Onde se planta melhor se come melhor

O que o agricultor tem a ver com o cozinheiro? Tudo. A demanda do último guia a produção do primeiro. A qualidade da produção do primeiro incentiva a criatividade do segundo.

No caso de cozinha profissional quando você conhece o produtor pode negociar preços e prazos de entrega, como em qualquer ramo profissional. Mas na cozinha você aprende enormemente com o agricultor e pode criar vínculos para transformar o campo em laboratório.

Em Gonçalves (MG) conheci os pequenos agricultores Tiana e Ocid, dois engenheiros que foram parar na roça há mais de dez anos por amor. Eles participam da feira orgânica da cidade, têm sua produção já enviada para outras cidades como São Paulo e trabalham em parceria com restaurantes e pousadas. Atuam também oferecendo sua terra e experiência para fornecer produtos sob encomenda para cozinheiros, como o broto de samambaia.

A experiência desses homens e mulheres do campo, participantes do Slow Food, é muito antiga e de respeito. É um modo de produção que dá muito mais sabor e saúde aos alimentos e não fere a terra e água.

Tiana usa alta tecnologia para adubar a terra: um galinheiro móvel. É apenas uma tela com galinhas dentro que pode ser deslocada pela plantação. As galinhas ajudam na produção de alimentos a baixo custo e controle de ervas invasoras, insetos e adubação orgânica. Depois descobri até um vídeo dessa ideia na internet.


E no cultivo da terra Tiana e Ocid obedecem a rotação de cultivos, os cultivos associados e o controle biológico. É importante prever a rotação dos cultivos na horta, evitando cultivar a mesma espécie durante vários anos e sempre na mesma parte da horta (por exemplo plantar tomates onde na safra anterior havia tomates). A rotação é importante pois alterna plantas que empobrecem o terreno, com plantas que o enriquecem, melhora a estrutura do terreno e interrompe o ciclo vital dos parasitas ligados a um determinado cultivo ou de ervas daninhas.

Também é importante associar, na horta, dois ou mais cultivos. Escolhendo-os bem, se reduz ao mínimo a competição entre eles, favorecendo a ajuda mútua entre diversos cultivos. Algumas plantas podem fixar o nitrogênio, outras podem atrair os insetos benéficos ou afastar os insetos nocivos, outras ainda podem ser um suporte para outros cultivos (como no caso do milho com o feijão). 

Também existem plantas capazes de captar a energia solar ainda que posicionadas abaixo de outros cultivos: é o caso da abóbora, que consegue captar a luz graças à folhagem. No sul de Minas Gerais essa escolha é feita em função do clima e da vegetação específica, da prevalência de pragas e infestantes.

No controle biológico há muitas possibilidades. Efetua-se usando inimigos naturais, que podem atacar os insetos nocivos, eliminando-os ou mantendo sob controlo a sua população. Os inimigos naturais podem ser comprados (produzidos em laboratório em universidades e centros de pesquisa), mas, muitas vezes, se encontram na natureza.

Alguns produtos bacterianos (ou extratos de fungos) são nocivos para os insetos danosos, outros inibem o desenvolvimento de micro-organismos que provocam pragas. Distribuídos em cultivos como um normal produto antiparasitário, são inócuos para o homem e demais animais de sangue quente. (por exemplo: Tricorema, Bacillus thuringensis, Bauveria Baussiana, NPV virus, nematodi Stemeumema etc.).

A horta do sítio do Tiana

Inseticidas de origem vegetal também são usados, como alguns produtos tradicionais – como o extrato de tabaco (contendo nicotina), neem (contendo azadiractina), pimenta malagueta, alho, gengibre, baobá, urtiga, etc. – são muito eficazes para o controlo de insetos danosos. Em Gonçalves se vê muito as hortas com mamona e urtigas entre os pés de alimentos.

Antiparasitários de origem mineral ou outra origem são outra opção. Alguns produtos tradicionais são à base de minerais – como enxofre, arame, carbonato de cálcio, etc. – ou de outros componentes: sabão, óleo, cinzas, etc.

Tudo isso deixa os alimentos menores, mas com um sabor bem melhor. A natureza não produz cenouras de 20 centímetros ou tomates de 200g. Claro, o preço é maior porque o manejo precisa de mais cuidados e não é tão rápido. Mas a saúde e o sabor valem esse preço. E se esse tipo de produção for valorizada e replicada vai ter um valor menor no futuro.


O movimento Slow Food tem detalhes desse modo de produção em uma cartilha feita para um projeto desenvolvido na África. Pode ser acessada aqui

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Cânones e variações dos molhos/fundos – parte 3

Aplicações práticas dos caldos/fundos são inúmeras. Veja, por exemplo, os alimentos de textura fibrosa e sabor forte. Com os caldos eles ficam muito melhores.

É o que descobri com a erva-doce ou o funcho. Eu só conhecia o chá mas tinha curiosidade de comer o bulbo. Ele é grande, carnudo e parece estranho de comer. As folhas delicadas são utilizadas como erva, em peixes e cremes.

Erva-doce ou funcho

Descobri que o sabor do bulbo é refrescante e adocicado, mas realmente é difícil de mastigar porque é cheio de fibras. Um caldo de ave pode resolver isso.

Vamos então ao fundo de ave. O processo é semelhante ao de carne. O ingrediente principal é a carcaça de galinha, que é vendida em açougues maiores a um preço ótimo, centavos de reais. Eu usei duas carcaças para três litros de água.

É necessário refogar cebola, alho, salsão, alho-poró, todos em mirepoix, e somando cerca de 500g. Quando murchar adicione a galinha e refogue mais. Adicione meia xícara de vinho branco seco para deglaçar.

Depois coloque a água. Também usei um bouquet garni, três grãos de pimenta do reino e dois cravos. Espere ferver e depois diminua para o fogo mínimo. Cozinhe por 3 horas.

Com uma escumadeira retire a gordura várias vezes durante o cozimento. No final coe o caldo e deixe esfriar. O livro da Le Cordon Bleu ensina a armazenar os caldos: despeje o caldo já frio em bandejas de gelo; leve ao congelador por 4 horas, até endurecer; retire-os da bandeja de cubos e coloque em um saco plástico de congelar; feche o saco e guarde os cubos no congelador para o próximo uso.

Como o caldo pronto, volte para o funcho/erva-doce. Coloque ela cortada em água gelada para não escurecer. Para dar mais sabor, escolha os bulbos maduros que são redondos e gordos.

Apare as extremidades do bulbo, reservando as folhas para guarnecer. Lave-o. Corte primeiro o bulbo, verticalmente. Corte cada metade em quartos. Se for fatiar, corte o bulbo ao meio no sentido vertical e vire as metades para baixo. Em seguida corte as fatias no sentido horizontal.

Na receita que fiz primeiro derreti 30g de manteiga sem sal e suei (aquecimento gradual apenas para soltar sucos dos alimentos) ½ cebola cortada em brunoise. Aí vão 2 ervas-doces cortada, que deve ser fritada lentamente.

Adicione 50 ml de vinho branco seco, deixe reduzir e adicione 1 litro de fundo de ave. Esse tipo de cozimento é o famoso braseado, ou seja, dourar previamente o alimento em gordura quente e em seguida cozinha-lo com pouco líquido em panela tampada. O cozimento se dá pela fervura do líquido associada ao vapor criado por ele.

Voltando à receita, quanto estiver fervendo adicione um sachet d’épices, sal e pimenta do reino moída na hora. Cozinhe em fogo baixo, tampado, até que o funcho esteja cozido, mas ainda firme.
Retire a erva-doce, reduza o líquido do cozimento, produzindo um molho, acerte o tempero e coe se quiser para servir sobre a erva-doce.

O prato que fiz, com a erva-doce braseada, kafta de forno, frango com cardomomo e arroz vermelho

Fontes:
"Le Cordon Bleu - Todas as técnicas culinárias", Jeni Wright, Eric Treuille, Editora Marco Zero
"400g - Técnicas de Cozinha", Betty Kövesi, Carlos Siffert, Carole Crema e Gabriela Martinoli, Companhia Editora Nacional