domingo, 10 de maio de 2015

Somos lo que hacemos repetidamente - parte 3

Pode um prato de comida ser uma obra de arte? Para Andoni Aduriz sim. Ele defendeu na aula magna  que o ato de comer gera emoções, como qualquer apresentação artística.

Mas Aduriz se propõe a fazer criações inovadoras e ele mesmo admitiu que essas são mais difíceis de serem aceitas pelo comodismo natural das pessoas. Para ele o gosto não é o que vem primeiro na aceitação de um prato e sim a construção cultural.

Nas Filipinas uma comida muito popular é o balut, um ovo de pato com o embrião. Naquele país é aceito, aqui no Brasil de jeito nenhum. Quem tem razão?

Criar também é estar na vanguarda, algo que implica muitos riscos. Ele lembrou que o próprio significado primeiro da palavra é militar: é a linha de frente numa batalha. E todos esses costumam morrer.

Isso diz muito, até mesmo na definição de vanguarda política ou cultural, porque toda vanguarda também destrói a anterior. Uma substitui a outra para que o ciclo da criação continue. Então além de enfrentar resistências quem quer ser inovador também corre sempre o risco de ficar obsoleto.

Para suportar essas barras Aduriz deu seus caminhos: cuidar de sua equipe de trabalho, ter mais tempo para pesquisas, criar formas de motivação e encontrar os recursos necessários. Desses itens ele falou mais detalhadamente das equipes e da motivação.

Sobre uma equipe de trabalho o chef basco ressaltou primeiro que as pessoas agem por mimetismo, aprendem com os outros. Ou seja, se você estiver do lado de pessoas criativas vai acabar agindo criativamente. E também se estiver do lado de pessoas que só reclamam da vida é claro que também vai ter esse comportamento.

Em outra, das muitas frases de autoajuda que Aduriz falou, ele disse que a vida é apenas a maneira como a encaramos. Por isso esse defendeu que esses tipos de comportamentos devem fazer parte dos critérios de seleção para uma equipe de trabalho.

E a motivação? Vem de dentro da pessoa ou de fora? Para Aduriz só pessoas extremamente especiais, como Mandela ou Gandhi, conseguiram ter motivação interna para lidar com os desafios da existência. O resto de nós normais precisamos de ajuda externa.

A explicação dada foi que os seres humanos são sociais, não vivem sozinhos. Aduriz também confessou ser adepto da neurolinguística, ciência que estuda a elaboração cerebral da linguagem. “Las palabras son balas”, disse. Se alguém só escuta, “você pode”, “você pode”, você pode”, vai acabar conseguindo. Desse modo, o gestor tem um papel muito importante na motivação de seus comandados.

E no caminho da vanguarda ressaltou a necessidade de muito trabalho. “Pruebas, pruebas y error”, disse Aduriz sobre a rotina do Mugaritz até obter resultados de sucesso. Trabajar mucho.

Para facilitar o cozinheiro sugeriu ferramentas que podem ajudar a criatividade:
- Formas de ajudar a entender as criações para descobrir o que os outros não vêm

- Criar surpresas nas inovações, vindas da intuição e que escapem da lógica

- Usar metáforas nas criações. Na palestra ele mostrou um exemplo de uma folha de camélia caramelizada, criada como uma metáfora do tempo


- Usar a interdisciplinaridade. O Mugaritz trabalha como músicos, filósofos e vários outros profissionais

- Ter observação criativa. Trabalhar entendendo o contexto das coisas é fundamental para qualquer ramo de atuação, mas Aduriz também defendeu que é necessário ter a descontextualizacão. Ele citou o exemplo de um merengue que passou do ponto em um dia no restaurante. Isso não foi jogado fora, mas foi aproveitado como experiência sensorial: viraram maracas comestíveis


Sobre os vários restaurantes que copiam o Mugaritz, o chef disse não se importar e até que se sente enaltecido com isso (apesar de revelar que pelo menos gostaria que citassem a fonte). “El artista copia, el genio roba”. Lembrou essa frase famosa de Picasso, mas depois revelou que o pintor havia roubado essa sentença do escritor Oscar Wilde. E este também não havia sido o autor original da frase, que é um dito popular. Coisas da criatividade. 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Somos lo que hacemos repetidamente - parte 2

Antes de falar do restante da palestra de Aduriz em São Paulo acho importante delinear um pouco da sua atuação. Começando do final, seu projeto mais recente é o The Candy Project, que foi citado na sua aula magna.

O Mugaritz todo o ano fecha quatro meses apenas para pesquisar alimentos e a bola da vez são os doces. A pesquisa interdisciplinar estuda o consumo, costumes, sabores, tipos e funções dos doces pelo mundo. O movimento Slow Food também participa para criar um mapa do paladar sobre o assunto.

Seu restaurante trabalha também com o departamento de novas tecnologias e novos alimentos do centro tecnológico AZTI-Tecnalia, também na Espanha. Já o restaurante mesmo fica em uma antiga fazenda no país basco, no norte espanhol.

Uma das criações dessa parceria foram as pompas de beterraba, cacau e mel, feitas com uma mistura de proteínas e gel, que contou com o auxílio de um especialista em tensões e controle de PH.             

Outra invenção, esta mais prática e para indústria mostrada em vídeo na palestra, foi o New Food Spray, que são sprays de alimentos embalados, prontos para comer ou cozinhar, como tempura, panquecas ou churros, em frigideira ou chapa.



E algo polêmico que Aduriz anunciou ano passado foi uma maneira para os clientes cheirarem a comida por meio de um celular. Essa pesquisa é feita com o professor da City University London, Adrian Cheok.

De acordo com um comunicado de imprensa, a intenção é criar um aplicativo que transmite o aroma de um prato por telefone. O protótipo chamado Scentee já está à venda lançado por uma empresa japonesa. Pode parecer estranho, mas esquecemos que o olfato é importantíssimo para nossas emoções, então investir nesse tipo de comunicação pode ter muito sucesso. 

O Scentee é um pequeno tanque na parte de baixo do celular e que é controlado por um aplicativo


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Somos lo que hacemos repetidamente - parte 1

Em 2013 o Brasil recebeu cerca de seis milhões de turistas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) com base em números da Organização Mundial do Turismo (WTO). A Espanha, que tem o tamanho próximo do estado de Minas Gerais, teve a visita de 65 milhões de turistas.

O que isso tem a ver com este site de gastronomia? Tudo. Essas informações foram passadas hoje (6 de maio) na abertura da palestra do chef espanhol Andoni Luis Aduriz em São Paulo na Universidade Anhembi Morumbi. Ele foi apresentado no auditório pela representante do consulado espanhol, que também informou que dos 65 milhões de turistas, 650 mil foram no país ibérico só para comer, conhecer a culinária espanhola.

Os restaurantes e profissionais de gastronomia da Espanha são festejados hoje no mundo como artistas de vanguarda. Isso é o famoso valor intangível. A experiência e a emoção de comer esses pratos não têm preço. Claro que pode haver exageros nos elogios, mas o país se tornou referência porque buscou reinventar a gastronomia.

Estudo cozinha faz pouco tempo, conheço profissionais da área e já estagiei em um ótimo restaurante no Brasil. Então ainda tenho muito a aprender, mas minha impressão hoje é que estamos muito longe de criar uma marca da culinária brasileira. Digo isso pela baixa qualidade da mão de obra, falta de investidores e o clima pesado que ainda existe nas cozinhas do Brasil, com muito assédio moral e pouca abertura para inovar. Claro, o que não é desculpa para fazer diferente.

Andoni Luis Aduriz, chef do premiado Mugaritz na cidade de Errenteria falou justamente sobre criatividade e vanguarda em sua palestra, contou sua realidade na Espanha. Para ele o que molda a cabeça de uma pessoa são seus hábitos, por isso é tão importante que o caminho da criatividade comece simplesmente com pensamentos criativos, isto é, se forçar todos os dias a criar. Todos os dias.

Para endossar essa tese ele citou a mielina, uma substância estimuladora responsável proteger o circuito neural. Segundo Aduriz, há muitos cientistas que afirmam que a capa de mielina é mais rígida nas áreas do cérebro mais usadas, ou seja, se a pessoa cria hábitos criativos seu cérebro automaticamente estará mais propenso a esses pensamentos.

Aduriz provocou e disse que a cozinha tradicional é sinônimo de desconfiança. Ele explicou que a espécie humana passou cerca de 250 mil anos se alimentando com riscos, isto é, em sua evolução e falta de conhecimentos cada refeição de nossos antepassados tinha a chance de ser letal porque não haviam técnicas e saber sobre os alimentos. Apenas nos últimos 50, 100 anos a tecnologia dos alimentos e a segurança alimentar se desenvolveu ao ponto de minimizar vários riscos de saúde.

Porém o que ficou foi nossa base biológica, nossa memória ancestral de que só a comida tradicional provada antes por vários membros mais velhos da tribo é que é aceitável, caso contrário há riscos. Aduriz lembrou que isso está em casa também, porque os primeiros pratos que aprendemos a amar e confiar na maioria das vezes são de nossas mães ou avós.


Por isso ele defendeu que a cozinha só pode ser mudada quando se cria o hábito de pensar diferente, de forma positiva sobre as mudanças. Isso gera também um automatismo, mas agora de mudanças. “Somos lo que hacemos repetidamente”, disse o chef. 

Andoni Luis Aduriz